quarta-feira, 2 de março de 2016

Favela pra quem não sabe


Quando se fala em favela
tem muita gente que pensa
que favela é só muamba,
malandro, escola de samba.
Barraco quase caindo,
nêgo brigando na rua,
moleque magro, sumindo,
menina rasgada, nua.
Mulher disputada à faca,
menina moça perdida
e farra em cada barraca;
gente vazia na vida.
Quando se fala em favela
tem muita gente que pensa
que é só rodas de sueca
meninas que nem calculam
que já existe boneca.
Quando se fala em favela
o seu doutor imagina
varíola, febre amarela
e um malandro
em cada esquina
na espreita, pra se vingar.
Quando se fala em favela,
é comum imaginar-se
a gíria, miséria, fome,
moleque que nem tem nome
nem sabe quem é seu pai.
Só sabemos de quem cai,
só lembramos da perdida,
só conhecemos quem vai
sem pretender a subida.
Favela, pra quem não sabe,
é este lugar de gente
que tem raça pra viver.
é o lugar onde se sofre
e não faz conta esse sofrer.
Favela, pra quem não sabe,
é somente a sociedade
sem complexo e vaidade,
é o amor sem etiquetas,
é o branco sair com preta,
é toda gente ser pobre
sem com isso se importar.
Favela pra quem não sabe,
é onde se enxuga o pranto
cantando o samba de enredo,
é o guri ser bem feliz
com restos de algum brinquedo.
Favela, pra quem não sabe,
é o barraquinho de zinco,
é o casal já tendo cinco
deixando um outro nascer
“vai nascer se Deus quiser,
Deus dá jeito pra viver”.
Favela pra quem não sabe,
é um barraco de madeira
feito de qualquer maneira
pra caber felicidade.
É o conforto de uma esteira
onde os dois a vida inteira
querem filhos de verdade.
Favela pra quem não sabe,
é alguém ser bem feliz
com alguém que nada tem,
teve um coração pra dar,
teve uma rosa também.
Favela pra quem não sabe,
é o poeta do barranco
transcrevendo a sua dor
pra gente cantar no asfalto,
vai ver um alto partido
vibrar com partindo alto.
Favela pra quem não sabe,
é o guri do amendoim
que levou o ano inteiro
pra juntar algum dinheiro
mas vai sair lá na escola
sorridente, de cartola.
A favela que é miséria, indecência
talvez seja a consciência
de muita gente frustrada
que se julga requintada
porque às vezes tem poder.

Vai na favela doutor,
vai na favela aprender
que a gente que sobe o morro
carregando lata d’água
tem raça pra batucar
na lata, quando descer.
Vai na favela doutor,
vai na favela aprender
que um barraco de madeira
é bastante pra viver.
Vai doutor, vai na favela,
vai olhar pela janela
de um barraco o que é viver.
Vai na favela doutor,

vai na favela aprender.