Seu moço me dá licença
pra
falar, que a vez é minha.
Meu
nome é povo cansado
e
ando meio danado
porque
a fome se avizinha
e
não tem nenhum letrado,
não
tem um capacitado,
não
tem um doutor formado
pra
botar o trem na linha.
Eu
tenho uma filha grande
e
outra pequenininha,
tremem
de frio no inverno,
comem
feijão com farinha,
ovo
frito dá pra dois,
vez
em quando tem arroz,
vez
por mês comem galinha
quando
dá pra extravagância.
No
peito eu tinha esperança,
por
pouco não caducou;
já
cansei de suplicar
pro
Deus, Nosso Senhor,
porém
na minha carteira
de
trabalho, a vida inteira
não
foi Deus que autografou;
Deus
fala de amor, bondade,
ensina
fraternidade
mas
tem outra metade
que
depende dos doutor,
que
depende dos “sinhô”,
depende
das excelências
que
me pedem paciência,
paciente
até que sou.
Seu
doutor, nas minhas veias
não
corre sangue vermelho;
meu
sangue é verde e amarelo
e
se baterem o martelo
“quanto
dão pelo país”
eu
dou a vida doutor,
dou
a vida sim senhor.
E
morro de tanto amor
e
faço mais do que fiz
até
se preciso for,
pois
doutor eu sou raiz.
Povo
é a força pela dor
que
ainda espera ser feliz
e
se alguém sonha com flor
que
cuide dessa raiz.
Eu
tenho nas minhas mãos
medalhas
que conquistei
no
concreto que virei,
no
aço que temperei,
no
volante que girei
levando
a festa na estrada.
No
tronco que derrubei,
recebendo
um quase nada;
na
cana que já ceifei,
no
feijão que temperei,
no
remédio que inventei,
nas
lições que eu já ensinei,
nos
trigos que semeei,
no
café que debulhei,
nas
peças que já forjei,
no
pão que já amassei
despertando
a madrugada.
Eu
tenho nas minhas mãos
medalhas
do meu trabalho.
O
suor pinga do rosto
que
estanca se bate o malho
pra
comer, ir embora.
E o
peito por dentro chora
pelo
aluguel atrasado,
pelo
corpo esfarrapado,
pelo
querer desgastado.
O
dinheirinho que ganho
pra
pagar tudo no mês
dá
pra garrafa de cana,
whisky
do seu bacana,
que
consome de uma vez
num
bate papo qualquer
onde
falam de mulher,
de
ir na Europa de novo...
Só
não comentam do povo,
povo
tem ocasião.
“O
povo vai se lembrado
quando
for aproximado
o
período da eleição.”
E o
povo sempre calado,
um
futebol bem jogado,
um
samba bem caprichado,
a
cerveja e o carnaval,
e o
pobre nem se dá conta
como
é que a vida vai mal.
Mas
se dá conta doutor
o
povo está se cansando,
o
povo está se agitando,
o
povo está esperando,
ainda
está acreditando
que
quem está na direção
mude
a marcha, bote freio,
que
dirija sem receio,
sem
medo de reação.
Comece
tudo de novo.
Puxe
a espada do seu seio,
grite:
“agora é a vez do povo”
antes
que o povo faminto,
cansado
das excelências,
das
vergonhas,
incoerências,
das
injustiças,
indecências,
grite:
“agora a vez é minha”
e
parta pra independência
com
as facas da cozinha.