segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

CARIDADE



E a menina
com os olhos em brasa
pediu-me uma esmola.
Na idade de casa,
na idade da escola.
Da cama quentinha,
bonecas e dengos
pediu-me uma esmola,
e eu disse que não.
Também tanta gente
suplica uma esmola,
também tanta gente
responde que não.
Mas dei alguns passos,
voltei à razão.
Será que quisera
comprar ilusão
quem sabe um sorriso,
quem sabe um bombom,
quem sabe esperança,
pipoca, um pão,
quem sabe um sorvete?
E eu disse que não.
Voltei e a encontrei
no mesmo lugar.
A mão estendida
a gente a passar
e na idade da escola,
me dá uma esmola.
Senti a emoção
me tomar por inteiro
e uma lágrima quente
sangrar-me, doída.
Eu vi a esperança
de mão estendidas
pra sobreviver.
A falta de tempo
é que impede a bondade?
É fora de moda
a solidariedade
a pressa é desculpa
pra gente não ver.
Estampava a menina
o retrato da fome,
vestido sujinho,
sem nada nos pés.
Qual é o seu nome, menina
quem és?
Que idade tu tens?
Não sei, tenho dez
ou quem sabe, duzentos.
Passei pela vida
por muitos tormentos,
por tanto chorei
que a idade não conta
e meu tempo eu não sei.
Brotaram-lhe gotas
nos olhos azuis,
o vermelho dos olhos
eram réstias de luz
do incêndio no peito,
fogueira da fé.
Na idade da escola,
me dá uma esmola
me diz como é.
Me ensina a proeza
que existe pra ver e saber
da beleza
de sobreviver.
Bebi do seu pranto,
vivi do seu tédio.
Quisera um sorriso
lhe dar por remédio,
não dá pra sorrir
enquanto um alguém
suplicar uma esmola
enquanto um alguém
não tiver onde ir.
Quem trouxe teu prato?
Não sei foram tantos.
Eu sei, eu garanto
fomos todos nós.
Os braços cruzados
os tempos minguados
tão juntos e a sós,
cavamos o abismo
com orgulho e egoísmo
do muito de nós.
Me dá tuas mão, menina
levanta.
No peito da gente
a certeza não canta
nem grita a grandeza
se a gente não quer.
Me dá tuas mãos
e inventa uma farra
e junta esta festa
com toda esta garra
e faça-as de escudo
pra dor que vier.
Me dá tuas mãos
pra girar corrupio,
na ponta do pé
pega a estrela madura,
qual fruta brilhando
na beira do rio
que a gente projeta
se lança e segura.
Me dá tuas mãos
tão pequenininhas
elas vivem um tempo
de colar figurinhas,
de pôr mil anéis.
Abrir os bombons,
distorcer os papéis
curtir os sabores,
pintar os momentos,
colorir pensamentos
de todas as cores.
Embale teus sonhos,
embale as bonecas.
Não cante, menina
canções de ninar.
Os homens já dormem
terão que acordar.
A idade que tens
é de quem pinta e borda.
desata essa forca
estica essa corda
permita se dar.
A corda da forca
é também pra pular.
A menina fitou-me
olhar de criança
parece que o pranto
regou-lhe a esperança
e acabou com o incêndio
que havia no peito.
Arejou os cabelos,
na roupa deu jeito,
com as costas da mão
enxugou sua mágoa
e saiu saltitando
pelas poças d’água.