segunda-feira, 27 de julho de 2020

Transformação



Boa noite!
Boa noite!
Boa noite!
Senhoras e senhores.
Desculpe-me atrapalhar
o seu lazer,
mas o que eu trago
para oferecer
é de encantar.
E quem comprar
não irá se arrepender.
Desiludi-me
entreguei-me a um cansaço,
um fracasso.
Quero dizer
que eu trago
para vender
toda a minha roupa de palhaço.
Esta calça aqui coitada,
tão surrada
foi minha companheira
de jornada.
Ah! Lembro-me ainda.
Foi em uma tarde linda
que eu andei
de loja em loja
sol a sol.
Nas lojas da cidade
do arrebol
para comprar este tecido
fascinante,
colorido
extravagante.
E na imaginação
propunha-me a brincar
bem comovido
com a emoção
e as lágrimas de alegria
pipocarem na amplidão.
Uma aqui, outra ali
feito bolas de sabão.
Umas explodindo
e outras surgindo
em profusão.
Eu percebia
que tinha essa missão.
Era assim que eu via a vida
quando comprei
essa calça colorida.
E lembro-me de uma vez.
Muito engraçado:
Eu dei um salto
já tantas vezes dado
ensaiado, repetido
acostumado.
Um salto atrapalhado
onde eu caía
bem desengonçado.
Um salto que afinal
me consagrou.
Naquele dia...
a calça se rasgou.
Ah! Eu fiquei desesperado,
apavorado.
Eu não sabia o que fazer
pensei correr.
Senti um nó.
Mas numa gargalhada só,
o circo inteiro
sorria e me aplaudia
pensando que era um truque
corriqueiro.
Esta calça aqui.
envelhecida
tão surrada
feito gente
que viveu bastante a vida
e agora
é o fim da estrada.
Tenho esta blusa azul,
Esta amarela
Bonitas não são?
Esta é a mais bela.
Ambas vestiam enfim
meu coração.
E ouviam o tic-tac,
a explosão,
o vulcão
que havia aqui dentro do peito,
o jeito,
a sensação,
a gostosa sensação
que me inundava
enquanto o circo inteiro
gargalhava
Estas peças aqui
queiram por favor
examiná-las.
O preço é bagatela
e quem comprá-las.
Decerto ainda carrega
uma emoção,
Eu não.
Sabem de cor
as cores do arco-íris,
Nem me lembro mais;
ainda se encantam com as estrelas,
Tanto faz
tê-las, não tê-las
tanto faz.
É cem reais,
é cem reais
é cem reais.
O que? Parecem caras?
Valem mais
se eu falar
de toda nossa trajetória.
Se eu contar pra vocês
a nossa história.
Quantas lágrimas secamos?
Quantos sorrisos arrancamos
de rostinhos magistrais?
Mas o tempo da ternura
já passou.
A era do circo terminou.
Foi bom enquanto durou
tempos atrás.
É cem reais.
é cem reais.
Qualquer peça
somente cem reais.
É cem reais.
Olhem!
Uma criança com uma rosa.
Que momento mais bonito!
O que? É para mim?
Não acredito!
É para me ofertar
de coração?
Então,
a ternura não morreu?
A canção de amor
não se perdeu?
O jeito cordial
e prazenteiro?
É tempo de sorrir
saltar no picadeiro.

A vida continua
mágica e garbosa.
Ganhei uma rosa
das mãos de uma criança.
Isso significa
amor e esperança.
Que mais preciso ter?
É tempo de sorrir.
E tempo de viver.
É tempo de se dar
criar um salto novo.
Feliz de quem enxuga
as lágrimas do povo.
Podemos enxugar.
Senhoras e senhores
não há nada pra vender,
Há sim
o que se dar
pra receber
e se doar,
e compreender
que uma pitada de amor
faz renascer.