terça-feira, 26 de junho de 2018

A MÁQUINA



Na sala
a família está toda
reunida
assistindo ao programa
de televisão.
Um silêncio de morte
nas pessoas,
uma total atenção
à formidável novela
da televisão.
Alguém tem sede
mas não ousa reclamar.
Alguém tem fome...
mas, primeiro a conclusão
da formidável novela
da televisão.
Um menino de três
ou quatro anos
aproximadamente
entra nervoso
pisando inclemente
o sinteco lustroso.
Começou a falar porém
não prosseguiu
sua mãe o fez parar
com um psiu,
enquanto o pai aborrecido
reclamava o silêncio
interrompido,
e a irmã protestava
 indignada:
Não se vê mais um programa
sossegada
e pra finalizar
logo a questão
aumentou mais o volume
da televisão.
O menino
sem outra alternativa
ficou fitando
as cores vivas das figuras
a perguntar-se
como as criaturas,
como seus pais
e seus irmãos enfim
absorviam-se assim
diante das figuras
abstratas da tevê.
Porque papai do céu,
porque?
se a ternura da gente
não morreu
essa tevê que não sorri,
porque?
é tão mais importante
do que eu?
Porque papai do céu,
porque?
depois que essa tevê
aqui chegou
mamãe já não falou
mais de você,
papai contos de fada
não contou?
Porque papai do céu,
porque?
Que você me desculpe
essa franqueza
mas diante da frieza
aqui de casa
algo está errado
com certeza.
E o capítulo chega
ao seu final.
E um comenta: Queria reação
o outro diz que não gostou
da conclusão
e um fala daqui,
e o outro fala
e acendem-se
as lâmpadas da sala
e só então
foi que viram
no dedo do menino
um corte pequenino
de onde o sangue a pingar
manchava o chão.
Meu Deus, grita a mãe
desesperada
e salta da poltrona
apavorada
e o pai se junta
e a irmã correndo
um punhado de remédios
vem trazendo
a socorrer
a mãozinha acidentada.
O menino, depois do curativo
de gaze o dedo gordo
e os olhos vivos
num princípio de choro
comentou:
Tem certas coisas
que eu não compreendo,
a dor do meu dedinho
já passou,
mas uma dor bem aqui
ficou doendo.