terça-feira, 30 de novembro de 2021

PRONTIDÃO

 



Dorme menino, dorme,

enquanto dormes no berço

tua mãe dedilha o terço

pedindo pra Deus olhar

“Que meu menino, Senhor,

cresça encharcado de amor

numa ternura sem par.”


Dorme menino, dorme,

enquanto o berço balança,

duas gotas de esperança

rolam com encantamento,

pingam na fralda macia

e Deus compõe poesia

de tão bonito o momento.


Dorme menino, dorme,

das dores do mundo alheio,

na fome tu tens o seio.

portanto, resta sonhar.

Se principias um choro

os anjos juntam-se em coro

numa canção de ninar.


Dorme menino, dorme,

Rostinho terno na fronha.

A tua mãe também sonha

um sonho demais ousado.

Será médico, dentista,

Será professor, artista,

engenheiro, advogado.


Dorme menino, dorme,

que a noite flui vagarosa

e a mãezinha cuidadosa

carece de cochilar.

É que o sol devagarinho

aos poucos deixa o bercinho

pro dia recomeçar.


Dorme menino, dorme.

terça-feira, 16 de novembro de 2021

Agradecimento

 



Senhor, muito obrigado

pelas flores que deixaste

no caminho

onde eu passo todo dia.

Pelas pétalas no chão

perfumadas, tão macias.

Ah! Senhor, a sensação de que

um tapete, por que não?

fôra posto onde eu seguia.

Pelo sol resplandecente

que surgiu nesta manhã

glorioso, comovente.

Ah! Senhor, muito obrigado,

Pela brisa no meu rosto;

Pela tarde de sol posto;

Pelo céu tão estrelado.

Senhor, muito obrigado.

E Senhor por cada amigo,

cada peito, cada abrigo.

Os que me telefonaram.

Os que vieram, me abraçaram.

Os colegas de trabalho.

Todos eles me ajudaram

a cumprir minha missão.

E Senhor, pela canção,

pela paz de cada irmão,

pelo sim e pelo não.

pela rosa ainda em botão,

pela água, pelo pão,

pelo dia abençoado.

Ah! Senhor muito obrigado.


Obrigado pelo ar

que sustenta minha vida;

pela fé fortalecida;

pela força dos meus braços.


Obrigado por meus passos.

Por meu lar, minha família.

Ah! Senhor, que maravilha!

Tenho tanto a agradecer

que às vezes na oração

ponho-me em reflexão.

O que fiz pra merecer?

Só Senhor, tua bondade,

tua generosidade

fazem-me compreender.

E Senhor muito obrigado

pela estória comovida,

pelo sonho acalentado,

pela estrada percorrida.

Obrigado pela vida!

Ah! Senhor, muito obrigado.


terça-feira, 2 de novembro de 2021

Seca

 



Seca, não chove

nem nada.

O sol causticante

crucia a moçada.

O gado emagrece

e os ossos lhe saltam

na pele cansada.

Os olhos no fundo,

Um mundo distante

Tão perto do mundo

Tão longe do nada.

Os pássaros voam

por outras paragens.

Os rios secaram.

E das verdes ramagens

às margens do rio

apenas restaram,

arcados de medo,

os galhos despidos

dos arvoredos.

É seca total.

O magro cachorro

parou de latir.

A vaca leiteira

morreu no curral.

É a vida vai mal.

A velha viola

ficou esquecida

na tosca parede.

E um monte de rede,

com sede da vida

de alguém que sonhava

e feliz se embalava

nos tempos de paz,

Jaz desolada num canto,

Ninguém sonha mais...


Seca, seca

não chove, nem nada,

e a estrada se perde

na vida empoeirada.

Os meninos definham

e a pobre Maria,

com o rosto marcado

de tanta agonia,

de tristeza e de dor,

ainda tem muito amor

para dar pra quem ama.

Chama o marido,

coitado, sofrido,

e murmura baixinho

com todo o carinho

e ternura na voz:

Tem calma José

tem paciência José

que Deus lembra de nós.

Vem e reza um bocado

e conta pra Deus

que o sertão tá danado.

Fala José, explica José.

Quem sabe Ele escuta?

Fala com Ele José, dessa luta

que Ele vai ajudar.

Pede José,

mas pede do fundo

me ajuda a rezar.”

E José responde nada.

Fita o céu

calmo e profundo

e uma lágrima é rolada

e murmura num segundo

uma prece amargurada.

Toda a alma põe na prece

e José também se esquece

da desdita, da agonia.

Traz Maria pro seu peito

e acarinha-lhe de jeito.

Depois beija-lhe de gosto

tantas rugas no seu rosto.

Nasce um riso entre as agruras,

e as ternuras se prolongam

quase que infinitamente.

Eis, porém, que de repente

grossas nuvens se mostraram,

o sol se escondia,

os trovões rebimbavam

e a chuva caía.

A chuva caía, caía, caía.

A chuva caía na terra cansada

e até ressequida.

Na terra enjoada,

na terra sofrida.

A chuva caía, caía, caía

caía de graça.

Maria da Graça

Olha a roupa na corda!

Maria, depressa,

encoste a janela!

E um riso tão dela

se abre na face.

E a alegria renasce.

É a gente que corre.

É o tédio que morre.

É a chuva caindo

É a gente sorrindo.

Meu Deus! Como é lindo.

E tudo lá fora

parece contente,

E a gente tão gente,

tão simples, tão gente,

tão pura, tão gente,

tão pobre, tão gente,

de braços cansados,

tão magros, tão seus

dando graças a Deus.

terça-feira, 19 de outubro de 2021

Eu passageiro

 



O trem parou na estação

um defeito na sinalização

o impediu de prosseguir

por meia hora.

Droga! Tomara ir logo embora.

Um calor insuportável.

Um ar desagradável

de ânsia, de espera.

Que se dane a primavera!

Nada é bom

Quando a gente está ruim

O meu sinal também fechou

e assim

o meu mal humor

se acentuou.

Passada a meia hora,

e estando o trem então

já liberado,

um grupo apressado

de jovens e de velhos

entrou bem humorado.

Aproveitou a interdição

e fartou-se de docinhos,

guaranás e salgadinhos

no barzinho da estação

O trem partiu

e alguém sorriu.

Ha! Ha!

Foi providencial esta parada.

Que delicia de cocada

no barzinho da estação.”

Droga! Eu perdi essa emoção.

E a viagem

foi de novo interrompida.

O trem parou numa estação

quase sem vida.

Atenção, senhores passageiros,

pedimos por favor compreensão.

O trem aguardará

por dez minutos

na estação.

Este fato não costuma ser normal

mas houve uma avaria no sinal.”

Desci!

Tão sequioso de prazer,

comer, beber,

comer de empanturrar.

Na estação não tinha bar.

Que ódio, que revolta,

Danação.

Mas como não ter bar

numa estação.

Voltei e me sentei

no mesmo banco,

revoltado,

sem ação,

transfigurado,

até que o malogrado trem

foi liberado.

E o grupo, tão contente,

entrou esbaforido

novamente.

Ha! Ha!

Foi providencial esta parada

Quantas fotografias de mãos dadas

tiramos no jardim.

E as flores, tantas rosas,

e o jasmim,

Num único botão

a se lançar,

bonito de sobrar.

E as violetas

surgindo em profusão.”

Droga!

Eu perdi essa emoção.

De novo põe-se o trem

em movimento

e na outra estação

outro lamento

depois da locução.

Em virtude de defeito

na sinalização,

o trem

aguardará liberação.”

Não pude mais conter

minha explosão.

Essa não,

é preciso dar um jeito.

Isso é falta de respeito

ao cidadão.

Mas não vou me aborrecer

eu vou descer

e vou comer

de empanturrar.

Não tendo bar

curto o jardim.

Agora tudo é festa

é assim

eu vou tirar proveito

até do que não presta.

Mas não havia bar

e nem jardim.

Não havia nada.

A estação era só

uma parada.

E umas crianças maltrapilhas

sem berço e sem escola

estendiam as mãos

pedindo esmola

Mas que absurdo!

Agucei meu egoísmo,

será que não dá mais

para fazer turismo

sem ser importunado?

Voltei, mas muito mais

que revoltado.

E o grupo

talvez, sei lá, por ironia

entrou bem carregado

de alegria.

Ah!

Foi providencial

esta parada.

Quantas crianças carentes,

pés no chão.

Eu dei esmolas, dei abraços,

dei sorrisos, dei a mão,

e nos olhos de cada um

vi gratidão.”

Droga!

Eu perdi essa emoção.

E o trem seguiu viagem

e eu muito emburrado

nem me dei conta

das imagens do serrado,

das montanhas

tão iguais e tão estranhas.

E o grupo embevecido

nas janelas.

Olha quantas flores amarelas.

Olha um riacho.

Olha a cachoeira.

Ai, que borboleta

mais bonita.

É a primeira

que vejo nesta cor.

Neste azul.

Azul metalizado.”

E eu no meu interior

muito emburrado.

E o trem fez paradas

em sinais entre estações.

E o grupo

sempre achava razões

pra se encantar

E eu sem me encontrar.

E chegamos ao final

da trajetória.

Uma metrópole moderna

porém tão merencória.

Ao menos eu a via

desse jeito.

Embora tantas luzes,

tantas cores,

bares e tabernas,

tanto efeito,

vitrines coloridas,

tantas flores,

crianças tão felizes,

vi doutores,

e nada me encantou

nessa viajem.

Não fui útil, nem vivi,

perdi toda emoção.

Por favor meu senhor

uma passagem,

eu aguardo outro trem

lá na estação.

quarta-feira, 3 de março de 2021

Que eu leve amor

 



Se onde há ódio, Senhor,

Que eu leve amor,

Que eu leve na bagagem

Muito amor por onde eu for.

Um amor descomplicado

Sem senões, sem preconceito.

Um amor ainda imperfeito

Burilando no caminho,

Mas amor que eu sozinho

Necessito burilar.

Se onde há ódio, Senhor,

Que eu leve amor,

Onde há espinho, senhor,

Que eu levo a flor,

Mas a flor que eu for levar

É preciso ser colhida,

Necessário que essas mãos

Sejam muito merecidas

De colher para ofertar.

Onde haja ódio, Senhor,

Que eu leve amor,

Mas que eu tenha a noção

Que na vida a gente cresce,

Em amor se reconhece

A grandeza do perdão

E perdoa por amor

A ofensa e a ingratidão.

Onde há ódio, Senhor,

Que eu leve o encanto,

Mas que eu possa me encantar

E poder secar o pranto

De quem chora tanto, tanto,

Sem saber recomeçar.

Onde há ódio, Senhor,

Que eu leve amor,

que eu tenha um argumento

Bem guardado, cá no fundo,

E que eu sirva de instrumento

E falar com sentimento

Da doçura desse mundo.

Onde há ódio, Senhor,

Que eu esteja preparado

E levar do meu amor

E falar do teu legado

Nas andanças onde eu for.

Aí sim, onde houver ódio,

Que eu possa levar amor.