segunda-feira, 27 de agosto de 2018

As minhas razões


Eu não preciso
de um motivo especial
para brindar,
eu brindo à vida!
Uma rosa,
uma roupa colorida
e o sal...
E as notícias fresquinhas
no jornal
na manhã que mal começa.
E a pressa
dos que anseiam conquistar.
E um pedaço de pão,
uma canção,
sucesso em quase todas
as paradas.
Uma estrela
diante dos meus olhos
brilhando.
E a madrugada rolando,
e o sol madrugando
nos telhados,
nas praças,
nas entranhas,
nas estranhas vielas,
nos becos, nas janelas,
nos palácios de cristal.
E o cal
Pintado à beira dos caminhos.
E os vinhos
com que brindo à própria vida.
E o riso e a alegria.
A incontida energia
que gira os motores,
que gela, que aquece,
que engrandece,
que estremece de sons
a casa cheia.
O sangue em cada veia
que bombeia a esperança,
o sorriso de criança.
O dia lindo.
Eu brindo,
o beijo enfim dos namorados
Eu brindo,
o par que vai
de braços dados.
Eu brindo o mar calmo
vez em quando feito a vida
e as ondas
vez em quando
feito a vida
bravejando.
Os frutos madurando
nos quintais.
Eu brindo
o leite fresco
nos currais.
Eu brindo
essa esperança germinando
nos olhos que ainda há pouco
soluçaram.
Eu brindo essa saudade
ruminando
nos peitos que ainda há pouco
se entregaram.
Eu brindo o sabonete
e a água fria
que lavam meu rosto
a cada dia.
Eu brindo
esta camisa que me veste.
Eu brindo o cafezinho.
Eu brindo estes sapatos
que me calçam
defendendo meus pés
pelos caminhos.
Eu brindo a dor
que me burila,
que me lapida
e torna-me humano.
Eu brindo o desengano
que ensina-me a ser mais
de pés no chão.
Eu brindo o inverno,
a primavera, o verão
pois há sempre uma razão
para brindar.
Eu brindo
o abraço de um amigo
pois não há coisa melhor
que o peito
que se toma por abrigo
pra se dar.
Eu brindo a chuva
que lava a minha cara.
Eu brindo a lua
que à noite se escancara
de luar.
Eu brindo o telefone
me buscando,
e a juventude
que encara as problemáticas
cantando.
Eu brindo o tamborim
e a geografia,
e o giz,
eu brindo o dia
assim que ele começa.
Pois eu sei que é uma promessa
de festança.
Eu brindo essa esperança
no meu peito.
Eu brindo esse direito
de pensar.
Eu brindo esse pensar
de qualquer jeito.
Eu brindo!
Eu brindo as mãos que dão,
as mãos que ajudam.
Eu brindo as mãos
que mudam,
que constroem.
Eu brindo as mãos que moem,
que edificam.
Eu brindo as que suplicam
e as que ficam
sem cessar,
estendidas,
incabidas
de razões para brindar.
João Prado

sábado, 4 de agosto de 2018

Desengano



Te assustas com as rugas
do meu rosto?
E com os meus cabelos brancos de repente?
Ah! Meu amigo,
O estilete do desgosto
foi me definhando interiormente
manso, sorrateiro, lentamente.
E se eu passei pra ti um lado oposto,
enganei a mim, principalmente.
É certo que  excedi-me
no meu zelo
na ânsia de passar
perseverança.
Pintei por algum tempo
os meus cabelos.
Sorrisos? Os deixei
por segurança.
Decerto deveria removê-los,
mas sempre uma centelha
de esperança
dizia para eu ir
lutar vencer
que um dia
ainda teria coisa boa
Meti-me numa escola de viver
e fui tocando enfim
minha canoa.
E a vida foi passando,
foi passando.
E o tempo foi doendo,
foi doendo.
E os meus cabelos
foram prateando
e os sonhos um a um
envelhecendo.
E me perguntarás:
O que se passa?
Que dor toma-me o peito
e me devora?
Que mal, que agonia,
que desgraça,
ocupa-me a alma
e sem demora
me liquidará o corpo inteiro?
Ou falta-me dinheiro?
Às vezes uma crise
de repente
pega-nos de surpresa
infelizmente.
Não, meu amigo
nenhuma enfermidade
me angustia,
nem falta-me dinheiro,
dou meu jeito.
O salário
E uma certa economia
deixa-me deveras satisfeito.
A coisa que afinal
me asfixia
são as mágoas que carrego
aqui no peito.
São tantas atitudes
tão vazias
mesquinhas demais
pro meu conceito.
São mágoas, muitas mágoas
com certeza
que corroem-me feito ácido
implacável.
Mas se a vida
deu-se ao trato, por fineza
de sensível me fazer
incontestável,
aos poucos meu amigo
eu viro a mesa
pois a sede de viver
é insaciável.
João Prado