terça-feira, 19 de outubro de 2021

Eu passageiro

 



O trem parou na estação

um defeito na sinalização

o impediu de prosseguir

por meia hora.

Droga! Tomara ir logo embora.

Um calor insuportável.

Um ar desagradável

de ânsia, de espera.

Que se dane a primavera!

Nada é bom

Quando a gente está ruim

O meu sinal também fechou

e assim

o meu mal humor

se acentuou.

Passada a meia hora,

e estando o trem então

já liberado,

um grupo apressado

de jovens e de velhos

entrou bem humorado.

Aproveitou a interdição

e fartou-se de docinhos,

guaranás e salgadinhos

no barzinho da estação

O trem partiu

e alguém sorriu.

Ha! Ha!

Foi providencial esta parada.

Que delicia de cocada

no barzinho da estação.”

Droga! Eu perdi essa emoção.

E a viagem

foi de novo interrompida.

O trem parou numa estação

quase sem vida.

Atenção, senhores passageiros,

pedimos por favor compreensão.

O trem aguardará

por dez minutos

na estação.

Este fato não costuma ser normal

mas houve uma avaria no sinal.”

Desci!

Tão sequioso de prazer,

comer, beber,

comer de empanturrar.

Na estação não tinha bar.

Que ódio, que revolta,

Danação.

Mas como não ter bar

numa estação.

Voltei e me sentei

no mesmo banco,

revoltado,

sem ação,

transfigurado,

até que o malogrado trem

foi liberado.

E o grupo, tão contente,

entrou esbaforido

novamente.

Ha! Ha!

Foi providencial esta parada

Quantas fotografias de mãos dadas

tiramos no jardim.

E as flores, tantas rosas,

e o jasmim,

Num único botão

a se lançar,

bonito de sobrar.

E as violetas

surgindo em profusão.”

Droga!

Eu perdi essa emoção.

De novo põe-se o trem

em movimento

e na outra estação

outro lamento

depois da locução.

Em virtude de defeito

na sinalização,

o trem

aguardará liberação.”

Não pude mais conter

minha explosão.

Essa não,

é preciso dar um jeito.

Isso é falta de respeito

ao cidadão.

Mas não vou me aborrecer

eu vou descer

e vou comer

de empanturrar.

Não tendo bar

curto o jardim.

Agora tudo é festa

é assim

eu vou tirar proveito

até do que não presta.

Mas não havia bar

e nem jardim.

Não havia nada.

A estação era só

uma parada.

E umas crianças maltrapilhas

sem berço e sem escola

estendiam as mãos

pedindo esmola

Mas que absurdo!

Agucei meu egoísmo,

será que não dá mais

para fazer turismo

sem ser importunado?

Voltei, mas muito mais

que revoltado.

E o grupo

talvez, sei lá, por ironia

entrou bem carregado

de alegria.

Ah!

Foi providencial

esta parada.

Quantas crianças carentes,

pés no chão.

Eu dei esmolas, dei abraços,

dei sorrisos, dei a mão,

e nos olhos de cada um

vi gratidão.”

Droga!

Eu perdi essa emoção.

E o trem seguiu viagem

e eu muito emburrado

nem me dei conta

das imagens do serrado,

das montanhas

tão iguais e tão estranhas.

E o grupo embevecido

nas janelas.

Olha quantas flores amarelas.

Olha um riacho.

Olha a cachoeira.

Ai, que borboleta

mais bonita.

É a primeira

que vejo nesta cor.

Neste azul.

Azul metalizado.”

E eu no meu interior

muito emburrado.

E o trem fez paradas

em sinais entre estações.

E o grupo

sempre achava razões

pra se encantar

E eu sem me encontrar.

E chegamos ao final

da trajetória.

Uma metrópole moderna

porém tão merencória.

Ao menos eu a via

desse jeito.

Embora tantas luzes,

tantas cores,

bares e tabernas,

tanto efeito,

vitrines coloridas,

tantas flores,

crianças tão felizes,

vi doutores,

e nada me encantou

nessa viajem.

Não fui útil, nem vivi,

perdi toda emoção.

Por favor meu senhor

uma passagem,

eu aguardo outro trem

lá na estação.