sábado, 4 de agosto de 2018

Desengano



Te assustas com as rugas
do meu rosto?
E com os meus cabelos brancos de repente?
Ah! Meu amigo,
O estilete do desgosto
foi me definhando interiormente
manso, sorrateiro, lentamente.
E se eu passei pra ti um lado oposto,
enganei a mim, principalmente.
É certo que  excedi-me
no meu zelo
na ânsia de passar
perseverança.
Pintei por algum tempo
os meus cabelos.
Sorrisos? Os deixei
por segurança.
Decerto deveria removê-los,
mas sempre uma centelha
de esperança
dizia para eu ir
lutar vencer
que um dia
ainda teria coisa boa
Meti-me numa escola de viver
e fui tocando enfim
minha canoa.
E a vida foi passando,
foi passando.
E o tempo foi doendo,
foi doendo.
E os meus cabelos
foram prateando
e os sonhos um a um
envelhecendo.
E me perguntarás:
O que se passa?
Que dor toma-me o peito
e me devora?
Que mal, que agonia,
que desgraça,
ocupa-me a alma
e sem demora
me liquidará o corpo inteiro?
Ou falta-me dinheiro?
Às vezes uma crise
de repente
pega-nos de surpresa
infelizmente.
Não, meu amigo
nenhuma enfermidade
me angustia,
nem falta-me dinheiro,
dou meu jeito.
O salário
E uma certa economia
deixa-me deveras satisfeito.
A coisa que afinal
me asfixia
são as mágoas que carrego
aqui no peito.
São tantas atitudes
tão vazias
mesquinhas demais
pro meu conceito.
São mágoas, muitas mágoas
com certeza
que corroem-me feito ácido
implacável.
Mas se a vida
deu-se ao trato, por fineza
de sensível me fazer
incontestável,
aos poucos meu amigo
eu viro a mesa
pois a sede de viver
é insaciável.
João Prado

Um comentário:

  1. Muito belo! Amei! Peço licença para compartilhar. Parabéns, amigo João Prado!

    ResponderExcluir