À tardinha, na minha rua,
a vida é de qualidade;
tem gente vivendo a vida
com tanta simplicidade.
Meninas brincam de roda,
moleques jogam pião,
há um grupo no portão,
falando de futebol.
E três ou quatro meninas,
queimadas de muito sol,
falam da vida, da sorte,
da esperança, da alegria,
a matemática mata,
mas que inferno,
e a geografia?
E o pipoqueiro aparece
lá no princípio da rua.
O sol cochila, adormece,
é cheia a fase da lua.
E a lua linda prateia
a rua, serenamente.
Quem dera que a lua cheia
desse filhotes pra gente
e o pipoqueiro persistente
com a roupa branca, engomada,
e a meninada que assiste
desponta em flor na calçada
Belém, blém, blém, blém, belém
Pipoca doce, salgada.
E a velhinha faz crochê
em uma cadeira e balança
dá gosto da gente ver
a habilidade na trança,
Borda a saudade de verde
pra confundir com esperança.
O rio passa sereno
sob a ponte de madeira,
na vida a pressa é um veneno,
vai passar a vida inteira.
É necessário prudência
na queda da cachoeira.
Na minha rua se encerra
uma ternura invejada,
mas minha rua é de terra,
de chão batido, coitada!
Coitada, mas que coitada?
Mas que coitada, que nada.
A minha rua é encantada,
a minha rua tem vida,
rosas, jardins, margaridas
desabrocham nos quintais;
mangas, caquis, araçás,
goiabas brancas, vermelhas,
chão batido, cor de telha.
A minha rua é vermelha
tal qual sangue que corre,
tal qual tarde que morre,
tal qual vinho que escorre,
tal qual tarde que morre
depois de um dia de sol.
O sol que deixa vermelho
o céu de todo arrebol.
Mas quando enfim anoitece
e a rua é toda sossego,
entre os murmúrios de prece
há sussurros de chamego.
Depois a rua adormece.
É paz em cada aconchego.
E a paz com tudo realça
e surge um anjo encantado
cobrindo a rua descalça
com um manto todo estrelado.