domingo, 1 de setembro de 2024

Depoimento de tragédia urbana


Aí ela pegou a faca

eu vi, seu moço

e ZÁS, com um golpe frio

e do pescoço

o sangue fez jorrar.

De nada valeu da morta

a resistência,

pois ela demonstrava ter

experiência no jeito de matar.

Depois então

da água que fervia no fogão

sobre o corpo inerte derramou.

Aí, ato contínuo

friamente

foi-lhe tirando as roupas

bruscamente

até que o corpo inteiro

desnudou.

E a cabeça fez-se decepada,

as coxas também foram separadas

e o tronco num só golpe

aberto ao meio.

Picou-lhe em pedacinhos,

disparate.

Pôs sal, pôs cebolinha,

pôs tomate,

depois de lhe arrancar

todo o recheio.

Havia uma emoção

nos olhos dela

quando temperou toda a galinha

e pôs pra cozinhar

numa panela.

quinta-feira, 1 de agosto de 2024

Origem


E se me perguntarem nas andanças

onde eu aprendi versos de amor;

Onde eu encontrei tanta esperança

E em que caminho afinal achei a flor;


E se me perguntarem aonde eu for

se existe céu assim tão estrelado

Ou apenas é ilusão de um sonhador

que anda vez em quando tresloucado;


E se me perguntarem onde a lua

brilha com tamanha intensidade.

E onde eu encontrei a tal da rua

na qual reside o amor, felicidade;


E onde é a terra promissora

de gente com amor pelo torrão;

e a cidadezinha encantadora

da qual se for preciso eu beijo o chão;


E se me perguntarem em que praça

a gente ainda encontra poesia;

E onde a lua brinca, faz pirraça,

na ânsia de ficar por todo o dia;


Onde é a terra hospitaleira

de gente fim de tarde na calçada?

A mão sempre estendida, costumeira,

sorriso feito flor desabrochada.


Eu com todo orgulho então direi:

Eu venho de um lugar tão requintado

que lá qualquer pessoa é feito rei.


Eu venho de uma terra tão bonita,

que um dia Deus criou emocionado

e os homens batizaram de Mesquita.

segunda-feira, 1 de julho de 2024

Rua dos sonhos


À tardinha, na minha rua,

a vida é de qualidade;

tem gente vivendo a vida

com tanta simplicidade.

Meninas brincam de roda,

moleques jogam pião,

há um grupo no portão,

falando de futebol.

E três ou quatro meninas,

queimadas de muito sol,

falam da vida, da sorte,

da esperança, da alegria,

a matemática mata,

mas que inferno,

e a geografia?

E o pipoqueiro aparece

lá no princípio da rua.

O sol cochila, adormece,

é cheia a fase da lua.

E a lua linda prateia

a rua, serenamente.

Quem dera que a lua cheia

desse filhotes pra gente

e o pipoqueiro persistente

com a roupa branca, engomada,

e a meninada que assiste

desponta em flor na calçada

Belém, blém, blém, blém, belém

Pipoca doce, salgada.

E a velhinha faz crochê

em uma cadeira e balança

dá gosto da gente ver

a habilidade na trança,

Borda a saudade de verde

pra confundir com esperança.


O rio passa sereno

sob a ponte de madeira,

na vida a pressa é um veneno,

vai passar a vida inteira.

É necessário prudência

na queda da cachoeira.


Na minha rua se encerra

uma ternura invejada,

mas minha rua é de terra,

de chão batido, coitada!

Coitada, mas que coitada?

Mas que coitada, que nada.

A minha rua é encantada,

a minha rua tem vida,

rosas, jardins, margaridas

desabrocham nos quintais;

mangas, caquis, araçás,

goiabas brancas, vermelhas,

chão batido, cor de telha.


A minha rua é vermelha

tal qual sangue que corre,

tal qual tarde que morre,

tal qual vinho que escorre,

tal qual tarde que morre

depois de um dia de sol.

O sol que deixa vermelho

o céu de todo arrebol.

Mas quando enfim anoitece

e a rua é toda sossego,

entre os murmúrios de prece

há sussurros de chamego.

Depois a rua adormece.


É paz em cada aconchego.

E a paz com tudo realça

e surge um anjo encantado

cobrindo a rua descalça

com um manto todo estrelado.

sábado, 1 de junho de 2024

Torcedor desiludido


Mas Mengo que desgraceira!

Vai ficar nessa pasmeira

ou vai jogar pra vencer?

Antigamente, Mengão,

você batia um bolão

dava até gosto de ver.


Tempos bonitos de glória,

cada jogo uma vitória,

vida de tranqüilidade.

Agora o jogo começa

você cai, você tropeça;

ta faltando intimidade?


Botei camisa e boné

saí pra dar um “rolé”

Eu era todo Mengão.

Um safado, bem safado,

me pediu tudo emprestado

pra fazer pano de chão


Ô Mengão, tá tudo errado!

Eu já ando amargurado

pois é tanta gozação.

Como é que vai o “Menguinho”

com “ar” de „„pequenininho‟‟?

É segunda divisão!

E a gozação é geral,

tem time perna de pau

limpando a cara comigo.


No bar lá perto de casa

a gozação cria asas,

parece campo inimigo.

“Ô Seu Manoel, por favor,

uma vela, meu senhor,

tem alguém agonizando.”

E eu tenho que engolir,

ficar calado e ouvir.

É certo o que estão falando.


Ô Mengão, não compreendo,

francamente eu não entendo.

Explicação não se encontra

o treinador “na ferida”:

“Quero gol nessa partida”

Você vai e faz gol contra!


É, o outro time jogava,

fizemos gol onde dava.

Explica-se o jogador.

O treinador não pediu?

O gol saiu, não saiu?

E ainda sou goleador.


É triste, mas é verdade,

um torcedor nessa idade

viver o que estou vivendo.

Ô Mengão, vê se te ajeita.

isso é praga ou coisa feita?

Não estou te reconhecendo.


Nos tempos idos Mengão,

com a meta de campeão,

era o jogo disputado.

Hoje na fase indecente

a gente torce somente

para não ser rebaixado.

quarta-feira, 1 de maio de 2024

Recado nº 4


Tu que andas cansado

vazio, desanimado,

parece que o mundo todo

já desabou ao teu lado,

levanta cara, sacode,

eu não sei como é que pode

tanta amargura e desdita

e crê, a vida é bonita!

Vem ver na beira do tempo

a festa que o tempo fez

e reage de uma vez,

galopa numa esperança

tirada de lá do fundo.

Rodopia a mão no mundo,

num laço prende a certeza,

briga, sacode, disputa

vira a mesa, vai à luta.

A vida te cobra vida,

o mundo te cobra garra,

amarra o teu desengano

num pé de não quero mais

bem distante da esperança,

da coragem bem lá atrás.

Acredita, vai em frente

com raça quebra a corrente

e bate no peito: eu posso,

quero, faço, aconteço;

vira o mundo pelo avesso

mas faz, constrói, realiza

não precisa ser gigante

super-homem nem precisa,

basta seres tu somente

com a força suficiente

que tens lá dentro de ti

mas que está adormecida.

A vida te cobra riso,

faz da vida um paraíso,

quem tem raça por raiz

terá flor feito sorriso.

Vem, levanta firme, altaneiro

põe sangue nas tuas veias,

põe mais sal nesse tempero,

habita Deus no teu peito

de um jeito bem verdadeiro.

Tem estrelas te espiando.

Que importa a lama no pé?

A fé que vai carregando

a gente, se for a fé

se realmente palpita

faz essa vida bonita

do jeito que a vida é.

segunda-feira, 1 de abril de 2024

Desencanto


É seu moço

a gente cansa.

Deixa brincar a esperança

no peito

enquanto menino.

Porém

quando o tempo avança

e então conhece o destino

vê que o sonho de criança

vai ficando pequenino

vai minguando,

se extinguindo,

deteriorando

fugindo.

E por fim deixa de ser.

E o sonho todo sonhado

sonho bom de se viver

brinquedo fragilizado

muito fácil de perder.

E a gente olha o horizonte.

Olhos tristes, rasos d‟água.

A ponte que leva a fonte

ruiu com o peso da mágoa.

É seu moço

Eu já fui rei

oito anos, dez

nem sei.

Só sei que tinha um tesouro

guardado com muito jeito

feito em gaiola de ouro

um passarinho em meu peito

cantava por todo dia.

Peito jeito de paiol

explodindo de alegria

e então com raios de sol

eu retocava a poesia.

Fui menino sonhador

Tempo bom. Ah! Que saudade.

meu conceito de valor,

francamente, de verdade,

era ser rico de amor

pra viver felicidade.

Mas o tempo foi passando

e esta vida com certeza

a alegria foi trocando

pelo caos dessa incerteza

e meu sonho foi levando

feito flor na correnteza

E do tempo de criança

a ternura ainda guardei

mas perdi minha esperança

minha fé, ainda não sei

Eu só sei que a gente se cansa

Eu só sei que eu já fui rei.

sábado, 28 de outubro de 2023

MÃOS

 


Falá desses cinco dedo

qui num têm valô nem nada,

isso é, num têm valô

pruque é mão calejada

do negro que já passô.

E nessa sociedade

adonde impera a mardade

e a farsidade chegô

só tem valô quem tem nome

quem tem um curso de fome

vale é nada sim sinhô.

Falá dessas mão cansada

qui num tem ané nem nada

ané de grau de dotô,

inté crime deve sê,

falá dessas mão cansada

que nem se ajeita escrevê.

Mas essas mão, seu dotô,

que as vez pede uma esmola

pra aos tranco eu podê vivê,

já tocô munta sanfona

pra gente “grande” dançá,

já revorveu munta terra

pras coisa boa prantá,

pro seu dotô na cidade

de ané no dedo comprá.

Já seu dotô, já fez rede

pro sinhô se balançá,

foro essas mão calejada

que munta cruz fez na estrada

pra sepurtura marcá.

Foro essas mão, seu dotô

que já coieu munta frô

pru seu salão enfeitá.

Foro essas mão sem valia,

essas mão sem sevrentia

que hoje pra nada presta.

Que o sinhô diz que num presta

pruque tá véia e cansada

pruque se estende a uma esmola.

Foro essas mão seu dotô,

que fez casa pra vancê,

que pra vancê fez escola.

Foro essas mão, seu dotô,

essas mão abrutaiada

que inté já coieu uma rosa

pra Sabina dedicá,

Pois essas mão calejada,

essas mão sacrificada

já teve quem carinhá

essas mão selô cavalo

pra coroné passeá.

Foro essas mão, seu dotô,

que prantô munto café,

que limpô, coieu, torrô,

e hoje pra nada presta

Preto véio vale nada

pois o seu tempo passô,

e preto véio cansado

num tem patrão nem valô.

Mas essas mão, seu dotô,

munto embora já cansada

cheia de calo da enxada

que o tempo nunca desfez,

é mão limpa de vredade,

num é dessas mão covarde

que só armada é valente.

É mão de cabra decente.

Num é dessas mão bunita

mas que se esquece no jogo.

Não, seu dotô, essas mão

nunca teve essas noção

de cheque farsificá.

É, seu dotô,

essas mão

têm o direito e a razão

de à noite a Deus suplicá.

Pruque é bom, seu dotô,

sem nome,

o cabra caí de fome

sem um pedaço de pão.

Pode inté morrê na estrada,

porém morrê como home,

com as mão feia, calejada

com as mão cansada da vida,

com as mão vazia, sem nada

esmolejando um tostão.

Mas dotô,

com Deus no peito e na alma

e um pouco de Deus nas mão.