Quando se fala em favela
tem muita gente que pensa
que favela é só muamba,
malandro, escola de samba.
Barraco quase caindo,
nêgo brigando na rua,
moleque magro, sumindo,
menina rasgada, nua.
Mulher disputada à faca,
menina moça perdida
e farra em cada barraca;
gente vazia na vida.
Quando se fala em favela
tem muita gente que pensa
que é só rodas de sueca
meninas que nem calculam
que já existe boneca.
Quando se fala em favela
o seu doutor imagina
varíola, febre amarela
e um malandro
em cada esquina
na espreita, pra se vingar.
Quando se fala em favela,
é comum imaginar-se
a gíria, miséria, fome,
moleque que nem tem nome
nem sabe quem é seu pai.
Só sabemos de quem cai,
só lembramos da perdida,
só conhecemos quem vai
sem pretender a subida.
Favela, pra quem não sabe,
é este lugar de gente
que tem raça pra viver.
é o lugar onde se sofre
e não faz conta esse sofrer.
Favela, pra quem não sabe,
é somente a sociedade
sem complexo e vaidade,
é o amor sem etiquetas,
é o branco sair com preta,
é toda gente ser pobre
sem com isso se importar.
Favela pra quem não sabe,
é onde se enxuga o pranto
cantando o samba de enredo,
é o guri ser bem feliz
com restos de algum brinquedo.
Favela, pra quem não sabe,
é o barraquinho de zinco,
é o casal já tendo cinco
deixando um outro nascer
“vai nascer se Deus quiser,
Deus dá jeito pra viver”.
Favela pra quem não sabe,
é um barraco de madeira
feito de qualquer maneira
pra caber felicidade.
É o conforto de uma esteira
onde os dois a vida inteira
querem filhos de verdade.
Favela pra quem não sabe,
é alguém ser bem feliz
com alguém que nada tem,
teve um coração pra dar,
teve uma rosa também.
Favela pra quem não sabe,
é o poeta do barranco
transcrevendo a sua dor
pra gente cantar no asfalto,
vai ver um alto partido
vibrar com partindo alto.
Favela pra quem não sabe,
é o guri do amendoim
que levou o ano inteiro
pra juntar algum dinheiro
mas vai sair lá na escola
sorridente, de cartola.
A favela que é miséria, indecência
talvez seja a consciência
de muita gente frustrada
que se julga requintada
porque às vezes tem poder.
Vai na favela doutor,
vai na favela aprender
que a gente que sobe o morro
carregando lata d’água
tem raça pra batucar
na lata, quando descer.
Vai na favela doutor,
vai na favela aprender
que um barraco de madeira
é bastante pra viver.
Vai doutor, vai na favela,
vai olhar pela janela
de um barraco o que é viver.
Vai na favela doutor,
vai na favela aprender.
Linda poesia, que retrata a vida tal qual ela é... tenho orgulho de ter passado minha infância em Mesquita em visitas constantes na casa dos avós maternos na Rua Cordura.
ResponderExcluirE dividindo os terrenos uma porta levava a casa da Dinda e do Dindo.
Muita saudade desta época.