segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

O CAIS


Você partiu de mim
como o navio se afasta do cais
e cada vez mais foi se afastando,
se afastando, se afastando.
E foi levando a festa,
e foi levando a paz,
foi carregando
o riso, a esperança
e tudo mais
pra talvez, quem sabe até infelizmente,
descarregar sorrindo noutro cais.
 
Você partiu de mim
feito o navio,
e como é melancólico, meu Deus,
o cais vazio.
 
Eu sou o cais.
Há um estoque de saudade
num canto envelhecendo,
morrendo comigo
ou renascendo
a cada minuto em vão
de ansiedade.
 
Há um punhado de lágrimas
cristalinas,
sofridas,
de verdade,
remetidas da região
onde proliferam o amor
e a desilusão.
 
Eu sou o cais
que assistiu inerte a sua partida
sofrida, dolorida,
sem gritar, sem lhe implorar,
sem tentar lhe segurar com as amarras.
Eu sou o cais
inerte ao canto triste das cigarras
e triste ao canto alegre dos pardais.
Eu sou o cais.
Eu sou o cais.
Eu sou o cais que quisera lhe gritar
para não ir,
para pensar,
para medir,
pra meditar
que não era você somente que partia,
mas que era a minha metade
que se ia.
Eu nos sabia unidos num só corpo,
coração num só,
cérebro num só,
força, fé e ansiedade
numa só.
Eu era um cais navio,
metade mais metade,
e com um nó
que fez do peito em festa
de repente
se explodir num pranto,
me fez um cais vazio
feito encanto.
Eu sou o cais
à espera do navio que partiu,
que fugiu.
Que seguiu por outros mares
só a esmo.
Por que singrar os mares procurando
a festa que está dentro
de nós mesmos?
Eu quero que tu voltes,
que traga seu sorriso, sua festa,
pois dentro desse peito ainda me resta
uma festa somente adormecida.
Traz o seu sorriso para a festa
e assim eu farei festa dessa vida.
A minha festa vai desconsolada
enquanto de saudade andar vestida.
Eu quero que tu voltes
pra te falar das ondas boas
que vieram,
das ondas más também,
e por que não?
Pra te falar das noites vagarosas
que eu andei metido na prisão
da dor,
desse vazio dessa hora,
dessa irremediável solidão.
Eu quero que tu voltes sem demora,
porque eu tenho um punhado de estrelas
nessa mão,
e se uma estrela basta pra quem chora,
olha como eu quero essa versão.
 
Eu quero que tu voltes
pra te prender enfim com as amarras.
E então verei a vida gargalhando
até no canto das cigarras.

2 comentários:

  1. Como todos os outros, belíssimo poema. Deus o ilumine sempre, mantendo seu precioso dom.

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  2. Nossa! Que lindo poema! Bem diferente dos demais q li do autor. Obrigado pela oportunidade de conhecer outras facetas de João Prado.

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