terça-feira, 2 de novembro de 2021

Seca

 



Seca, não chove

nem nada.

O sol causticante

crucia a moçada.

O gado emagrece

e os ossos lhe saltam

na pele cansada.

Os olhos no fundo,

Um mundo distante

Tão perto do mundo

Tão longe do nada.

Os pássaros voam

por outras paragens.

Os rios secaram.

E das verdes ramagens

às margens do rio

apenas restaram,

arcados de medo,

os galhos despidos

dos arvoredos.

É seca total.

O magro cachorro

parou de latir.

A vaca leiteira

morreu no curral.

É a vida vai mal.

A velha viola

ficou esquecida

na tosca parede.

E um monte de rede,

com sede da vida

de alguém que sonhava

e feliz se embalava

nos tempos de paz,

Jaz desolada num canto,

Ninguém sonha mais...


Seca, seca

não chove, nem nada,

e a estrada se perde

na vida empoeirada.

Os meninos definham

e a pobre Maria,

com o rosto marcado

de tanta agonia,

de tristeza e de dor,

ainda tem muito amor

para dar pra quem ama.

Chama o marido,

coitado, sofrido,

e murmura baixinho

com todo o carinho

e ternura na voz:

Tem calma José

tem paciência José

que Deus lembra de nós.

Vem e reza um bocado

e conta pra Deus

que o sertão tá danado.

Fala José, explica José.

Quem sabe Ele escuta?

Fala com Ele José, dessa luta

que Ele vai ajudar.

Pede José,

mas pede do fundo

me ajuda a rezar.”

E José responde nada.

Fita o céu

calmo e profundo

e uma lágrima é rolada

e murmura num segundo

uma prece amargurada.

Toda a alma põe na prece

e José também se esquece

da desdita, da agonia.

Traz Maria pro seu peito

e acarinha-lhe de jeito.

Depois beija-lhe de gosto

tantas rugas no seu rosto.

Nasce um riso entre as agruras,

e as ternuras se prolongam

quase que infinitamente.

Eis, porém, que de repente

grossas nuvens se mostraram,

o sol se escondia,

os trovões rebimbavam

e a chuva caía.

A chuva caía, caía, caía.

A chuva caía na terra cansada

e até ressequida.

Na terra enjoada,

na terra sofrida.

A chuva caía, caía, caía

caía de graça.

Maria da Graça

Olha a roupa na corda!

Maria, depressa,

encoste a janela!

E um riso tão dela

se abre na face.

E a alegria renasce.

É a gente que corre.

É o tédio que morre.

É a chuva caindo

É a gente sorrindo.

Meu Deus! Como é lindo.

E tudo lá fora

parece contente,

E a gente tão gente,

tão simples, tão gente,

tão pura, tão gente,

tão pobre, tão gente,

de braços cansados,

tão magros, tão seus

dando graças a Deus.

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