O trem parou na estação
um defeito na sinalização
o impediu de prosseguir
por meia hora.
Droga! Tomara ir logo embora.
Um calor insuportável.
Um ar desagradável
de ânsia, de espera.
Que se dane a primavera!
Nada é bom
Quando a gente está ruim
O meu sinal também fechou
e assim
o meu mal humor
se acentuou.
Passada a meia hora,
e estando o trem então
já liberado,
um grupo apressado
de jovens e de velhos
entrou bem humorado.
Aproveitou a interdição
e fartou-se de docinhos,
guaranás e salgadinhos
no barzinho da estação
O trem partiu
e alguém sorriu.
“Ha! Ha!
Foi providencial esta parada.
Que delicia de cocada
no barzinho da estação.”
Droga! Eu perdi essa emoção.
E a viagem
foi de novo interrompida.
O trem parou numa estação
quase sem vida.
“Atenção, senhores passageiros,
pedimos por favor compreensão.
O trem aguardará
por dez minutos
na estação.
Este fato não costuma ser normal
mas houve uma avaria no sinal.”
Desci!
Tão sequioso de prazer,
comer, beber,
comer de empanturrar.
Na estação não tinha bar.
Que ódio, que revolta,
Danação.
Mas como não ter bar
numa estação.
Voltei e me sentei
no mesmo banco,
revoltado,
sem ação,
transfigurado,
até que o malogrado trem
foi liberado.
E o grupo, tão contente,
entrou esbaforido
novamente.
“Ha! Ha!
Foi providencial esta parada
Quantas fotografias de mãos dadas
tiramos no jardim.
E as flores, tantas rosas,
e o jasmim,
Num único botão
a se lançar,
bonito de sobrar.
E as violetas
surgindo em profusão.”
Droga!
Eu perdi essa emoção.
De novo põe-se o trem
em movimento
e na outra estação
outro lamento
depois da locução.
“Em virtude de defeito
na sinalização,
o trem
aguardará liberação.”
Não pude mais conter
minha explosão.
Essa não,
é preciso dar um jeito.
Isso é falta de respeito
ao cidadão.
Mas não vou me aborrecer
eu vou descer
e vou comer
de empanturrar.
Não tendo bar
curto o jardim.
Agora tudo é festa
é assim
eu vou tirar proveito
até do que não presta.
Mas não havia bar
e nem jardim.
Não havia nada.
A estação era só
uma parada.
E umas crianças maltrapilhas
sem berço e sem escola
estendiam as mãos
pedindo esmola
Mas que absurdo!
Agucei meu egoísmo,
será que não dá mais
para fazer turismo
sem ser importunado?
Voltei, mas muito mais
que revoltado.
E o grupo
talvez, sei lá, por ironia
entrou bem carregado
de alegria.
“Ah!
Foi providencial
esta parada.
Quantas crianças carentes,
pés no chão.
Eu dei esmolas, dei abraços,
dei sorrisos, dei a mão,
e nos olhos de cada um
vi gratidão.”
Droga!
Eu perdi essa emoção.
E o trem seguiu viagem
e eu muito emburrado
nem me dei conta
das imagens do serrado,
das montanhas
tão iguais e tão estranhas.
E o grupo embevecido
nas janelas.
“Olha quantas flores amarelas.
Olha um riacho.
Olha a cachoeira.
Ai, que borboleta
mais bonita.
É a primeira
que vejo nesta cor.
Neste azul.
Azul metalizado.”
E eu no meu interior
muito emburrado.
E o trem fez paradas
em sinais entre estações.
E o grupo
sempre achava razões
pra se encantar
E eu sem me encontrar.
E chegamos ao final
da trajetória.
Uma metrópole moderna
porém tão merencória.
Ao menos eu a via
desse jeito.
Embora tantas luzes,
tantas cores,
bares e tabernas,
tanto efeito,
vitrines coloridas,
tantas flores,
crianças tão felizes,
vi doutores,
e nada me encantou
nessa viajem.
Não fui útil, nem vivi,
perdi toda emoção.
Por favor meu senhor
uma passagem,
eu aguardo outro trem
lá na estação.
Que viagem!
ResponderExcluirAdorei.
Sensacional! Aplausos!
ResponderExcluirUm espetáculo de experiência poética! Adorei!
ResponderExcluirJoão Prado eh um mito, que nos leva a refletir e a pensar em nossa vida, que nos motiva a nos matermos firmes na caminhada.
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