segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

BAZAR


Vende-se um coração
por qualquer preço.
Uma alma pelo avesso
e uma imensa solidão.
Um nó para ser posto
na garganta nos momentos de aflição.
Um sorriso pouco usado
e uns sonhos tão sonhados
que é preciso ter cuidados
ao levá-los, se não quebram,
é preciso muito jeito.
Vende-se um punhado
de esperança,
um brinquedo de criança
que não cabe mais no peito.
Vende-se uma audácia
pra quem luta
e uma dor pra quem escuta
quem ousa falar de amor.
Vende-se uma flor,
liquidação,
uma não 
amor perfeito
saudades,
nem sei direito
se são dúzias ou centenas.
Vendem-se uns tempos bonitos
e uma estrela no infinito
pouco brilho
e bem pequena.
Vendem-se mãos carinhosas
vontades, vendem-se rosas.
Vendem-se felicidades
pra por em dias de gala.
Só foi usada uma vez.
Vendem-se uns móveis de sala
de dois lugares, de três
apenas tomam-me espaço.
Vende-se um lindo caminho
só percorrido um pedaço.
Vendem-se beijos, abraços
Vendem-se tédios, fracassos
pequenos, pequenininhos
feito gotas de veneno
que matam devagarinho.
Vendem-se mágoas e mágoas
e uns olhos rasos d’água
algum tempo em promoção,
pague um e leve dois
com direito a vir depois
buscar a decepção.
Vendem-se tantas tristezas.
Vendem-se velas acesas
de um jantar que não se fez.
Vende-se um murro na mesa
muito bem dado uma vez.
Vende-se um tempo de espera.
Vende-se uma primavera
tão bonita de viver.
Vende-se inteira, metade
uma angústia de verdade
já prontinha pra doer.
Vende-se o bazar inteiro
vendo a quem chegar primeiro
toda essa quinquilharia,
parcelado, e de vantagem
vai levar uma alegria
inteirinha, na embalagem.
Aceito cartões de crédito
e vendo de um jeito inédito
de pagar quando quiser.
Eu só preciso, no entanto
que quem comprar
seque o pranto
nesses meus olhos, se houver.


João Prado

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